sábado, 28 de fevereiro de 2015

Educação especial: aspetos positivos e negativos do Decreto-Lei n.º 3/2008

A PALAVRA A...

O novo decreto-lei contém um misto de aspetos negativos, de cariz acentuadamente grave, que nos leva a refletir se realmente o seu objetivo é o de promover aprendizagens efetivas e significativas nas escolas regulares para todos os alunos com NEE.


1. O Decreto-Lei n.º 3/2008 parece excluir a maioria dos alunos com NEE permanentes (basta ler com atenção o artigo 4.º, pontos 1 a 4), deixando de fora mais de 90% desses alunos, todos eles com NEE permanentes. São disso exemplo os alunos com dificuldades de aprendizagem específicas, das quais se destacam as dislexias, as disgrafias, as discalculias, as dispraxias e as dificuldades de aprendizagem não-verbais, todas elas condições vitalícias, portanto, permanentes. Deixa ainda de fora os alunos com problemas intelectuais (deficiência mental), com perturbações emocionais e do comportamento graves, com problemas específicos de linguagem e com desordem por défice de atenção/hiperatividade, também estas condições todas elas permanentes.

2. O decreto-lei obriga, ainda, ao uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (vulgo CIF) para determinar a elegibilidade e consequente elaboração do Programa Educativo Individual das crianças com possíveis NEE (artigo 6.º, ponto 3). O mais caricato é que usa a classificação para adultos, uma vez que não se refere à CIF-CJ (significando o CJ crianças e jovens). Mas mesmo esta classificação não pode sobrepor-se aos instrumentos e técnicas que os professores e técnicos especializados já usam, para além de carecer ainda de muita investigação para se poder avalizar da sua utilidade, como aliás invocam os muitos especialistas que consultei. Um deles (Dr. Don Lollar, investigador/cientista do Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças), envolvido no estudo da CIF, depois de lhe ter referido que, quanto a mim, a CIF-CJ era apenas e só um sistema de classificação (umachecklist) e, assim sendo, ter-se-ia de alimentar forçosamente dos resultados das avaliações feitas pelos elementos de uma equipa interdisciplinar, confirmou a minha interpretação, dizendo, "I agree with you that the ICF-CY should `feed itself on the various evaluations made by the interdisciplinary team considering a student with significant special needs1". Assim sendo, mesmo argumentando-se que a CIF poder-se-á constituir como um instrumento aglutinador de determinada informação, arrumando-a em códigos, e proporcionar uma linguagem comum (preferiria uma linguagem universal, porque, dada a interdisciplinaridade de todo o processo, comum não será), como é dito por muita gente, em matéria de educação continuo a afirmar que o seu uso é totalmente desnecessário, uma vez que o objetivo não é comparar as capacidades e necessidades dos alunos com NEE permanentes, mas responder individualmente às necessidades de cada um deles (cada caso é um caso) através da elaboração de um programa educativo individualizado (PEI). Mais, a CIF, para além de ainda necessitar de muito trabalho para que possa ser considerada como um instrumento de algum merecimento (como diz o Dr. Lollar, "The ICF-CY is in edition 1. Yes, there is much work to be done - long past when I am professionally departed2", adiantando, ainda, num outro e-mail que me enviou, "I am clear that the ICF-CY will not come to international acceptance, much less use, during my professional lifetime.3"), contém também um conjunto de imprecisões que é preciso esclarecer, tal como a aparente confusão entre "atividades" e "participação", a subjetividade na graduação dos itens (tipo escala de Likert), o excesso de tempo que é necessário para preencher a checklist e, como já referido, a falta de investigação fidedigna. Por tudo isto, e muito mais haveria para dizer se o espaço o permitisse, sou da opinião que, se se pretender usar a CIF, então que se use na investigação, mas nunca na educação.

3. O Decreto-Lei n.º 3/2008 também não operacionaliza conceitos (de inclusão, de educação especial, de necessidades educativas especiais...), deixando-os, como vem sendo costume, às mais variadas interpretações, nada condizentes com os direitos dos alunos com NEE e das suas famílias.

Para além destas questões de fundo, o decreto-lei contém ainda um conjunto de questões contraproducentes secundárias, a saber:

a) Possui um conjunto de incongruências (destaco uma grave: No artigo 6.º, ponto 5, diz que "a aprovação do programa educativo individual" é da responsabilidade do "presidente do conselho executivo", ao passo que o artigo 10.º, pontos 1 e 2, refere que essa competência é da responsabilidade do "conselho pedagógico". Veja-se, ainda, o preceituado no artigo 1.º, ponto 2, em que se afirma que "A educação especial tem por objetivos... a transição da escola para o emprego das crianças... com necessidades educativas especiais..." (trabalho infantil?). (Desleixo, mas uma lei nacional não pode ser alvo deste tipo de desleixos que irão, com certeza, lançar a confusão nas escolas.);

b) É sintática e semanticamente confuso e é retórico (ver Preâmbulo, parágrafo primeiro e aquele que diz que "Todos os alunos têm necessidades educativas...");

c) Remete a responsabilidade da coordenação do PEI para os docentes do ensino regular ou diretores de turma. Para além da falta de preparação, muitos deles sentem-se apanhados pela armadilha da "qualidadeversus igualdade", sentindo a "pressão" do sistema quanto à melhoria dos resultados dos seus alunos ditos sem NEE, mas simultaneamente tendo que responder às necessidades dos alunos com NEE, cujas aprendizagens atípicas lhes exigem competências que não têm e que, caso não lhes seja proporcionado o acesso a serviços especializados adequados, fará diminuir o sucesso escolar dos dois grupos de alunos. Assim sendo, e a exemplo do que a literatura nos transmite, a coordenação de PEI (mais logística do que pedagógica ou científica) deve ser do docente de educação especial; e

d) Usa frequentemente o termo "deficiência", deixando entender o seu cariz clínico, quando desde, pelo menos 1978, ele se tornou obsoleto em educação, passando a usar-se o termo "necessidades educativas especiais".

O decreto-lei, no entanto, contém também alguns aspetos positivos, dos quais destaco:

a) A obrigatoriedade da elaboração de um programa educativo individual para os alunos com NEEpermanentes, aliás já consignado no Decreto-Lei n.º 319/1991, de 23 de agosto;

b) A promoção da transição dos alunos com NEE permanentes para a vida pós-escolar;

c) A confidencialidade de todo o processo de atendimento a alunos com NEE permanentes; e

d) A criação de departamentos de educação especial nos agrupamentos (a inserção da área de educação especial nos departamentos de expressões era um absurdo).

Contudo, no seu cômputo geral, e dada a gravidade dos aspetos negativos que referi e que, só por si, são mais do que suficientes para se pedir que sejam efetuadas alterações significativas ao Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, torna-se crucial que os professores, os técnicos e as famílias, numa palavra, a sociedade civil em geral, se pronuncie em favor dos direitos dos alunos com NEE permanentes e das suas famílias. Uma das contribuições pode passar pela assinatura da petição que se encontra a circular na Internet (www.petitiononline.com/luis2008/), uma vez que o decreto-lei se encontra em discussão na comissão de educação da Assembleia da República. Penso que chegou a altura de dizermos, e dizermos bem alto, que estamos perante um problema grave. De tal maneira grave que pode comprometer o futuro da maioria dos alunos com NEE permanentes.

1Concordo consigo que a CIF-CJ deve "alimentar-se das várias avaliações efetuadas pelas equipas interdisciplinares no que respeita aos alunos com NEE significativas".
2A CIF-CJ está na sua primeira edição. Sim, ainda há muito trabalho para ser feito - muito para além da minha reforma.
3Tenho a certeza de que a CIF-CJ não encontrará aceitação internacional, muito menos quanto ao seu uso, durante a minha vida profissional.


Luís de Miranda Correia
Professor Catedrático, Universidade do Minho
LUÍS DE MIRANDA CORREIAProfessor Catedrático do Instituto de Estudos da Criança/Universidade do Minho.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Um Modelo Educacional Para Alunos Com Necessidades Especiais


UM MODELO EDUCACIONAL PARA ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS


Luís de Miranda Correia[1]
Introdução
Segundo Correia (1990), a educação pode definir-se como sendo um processo de aprendizagem e de mudança que se opera num aluno através do ensino e de quaisquer outras experiências a que ele é exposto nos ambientes onde interage. Verificamos, assim, que o ensino é uma componente essencial no processo de aprendizagem de um aluno e que, quanto maiores forem os seus problemas e as contrariedades dos ambientes onde ele interage, maiores serão as exigências que se colocam a todos aqueles que fazem parte do seu processo de ensino e aprendizagem. Contudo, tendo presente que, como vimos, a educação se prende, essencialmente, com a mudança na aprendizagem de um indivíduo, muitos educadores raramente documentam essa mudança nos alunos de forma a promover-lhes uma educação apropriada consentânea com as suas características, capacidades e necessidades. No caso dos alunos com necessidades especiais (NE) a observação dos seus comportamentos é de tal forma importante que, sem ela, poderemos colocar em risco o seu futuro. No entanto, para que seja possível efetuar-se uma observação criteriosa, é necessário que se equacione um procedimento que permita edificar uma ponte que interligue a avaliação com a intervenção.
Assim sendo, a existência de um processo que permita dar respostas adequadas às necessidades dos alunos com NE é o primeiro passo para o seu sucesso educativo. Neste sentido, qualquer processo que pretendamos implementar deve fazer com que o trabalho colaborativo entre professores do ensino regular, professores de educação especial, outros profissionais de educação e pais se baseie em intervenções fidedignas, comprovadas pela investigação, que facilitem a individualização do ensino, a implementação de estratégias que vão ao encontro das capacidades e necessidades desses alunos e a monitorização do seu desempenho, tendo em conta o seu funcionamento global, aqui mais orientado para as áreas académica, socioemocional e pessoal.
Claro que um processo que tenha estes objectivos por meta deve apoiar-se num paradigma cuja finalidade seja o atendimento à diversidade, ou seja, um modelo que possa vir a responder às necessidades de todos os alunos, designada e principalmente dos alunos com NE.
Conceito de necessidades especiais (NE)
Chegados aqui, antes de nos ocuparmos da explanação de um modelo que consideramos eficaz, julgamos que é importante ficarmos com uma ideia do que são alunos com necessidades especiais, uma vez que são as características, capacidades e necessidades destes alunos que muitas vezes obrigam a Escola a organizar-se no sentido de melhor poder elaborar respostas educativas que façam com que eles possam vir a experimentar sucesso.
As necessidades especiais dizem respeito a um conjunto de factores , de risco ou de ordem intelectual, emocional e física, que podem afectar a capacidade de um aluno em atingir o seu potencial máximo no que concerne a aprendizagem, académica e socioemocional. Estes factores podem, assim, originar “discapacidades” ou “talentos”, podem afectar uma ou mais áreas do funcionamento do aluno e podem ser mais ou menos visíveis. Embora se encontre na literatura um manancial de termos para descrever as características dos alunos com necessidades especiais, os mais usados pelos especialistas são “risco”, neste caso “educacional”, “necessidades educativas especiais” e “sobredotação” (Correia, 2003; Heward, 2003).
Passamos agora a definir o que entendemos por crianças e adolescentes em risco educacional.
Os alunos em risco educacional são aqueles que, devido a um conjunto de factores tal como álcool, drogas, gravidez na adolescência, negligência, abuso, ambientes socioeconómicos e socioemocionais desfavoráveis, entre outros, podem vir a experimentar insucesso escolar. Estes factores, que de uma maneira geral não resultam de imediato numa “discapacidade” ou problema de aprendizagem, caso não mudem ou sejam atendidos através de uma intervenção adequada, podem constituir um entrave sério para o aluno, em termos académicos e sociais.
No que concerne ao conceito de necessidades educativas especiais (NEE), Correia (1993, 1997, 2003, 2008) afirma que ele se aplica a crianças e adolescentes com problemas  sensoriais, físicos e de saúde, intelectuais e emocionais e, também, com dificuldades de aprendizagem específicas (factores processológicos/de processamento de informação) derivadas de factores orgânicos ou ambientais.
Aliás, na sua definição isso é bem visível ao dizer que:
Os alunos com necessidades educativas especiais são aqueles que, por exibirem determinadas condições específicas, podem necessitar de apoio de serviços de educação especial durante todo ou parte do seu percurso escolar, de forma a facilitar o seu desenvolvimento académico, pessoal e socioemocional.
Por condições específicas entende-se:
i) autismo, cegueira-surdez, deficiência auditiva (impedimento auditivo), deficiência visual (impedimento visual), problema intelectual (deficiência mental), problemas motores graves, perturbações emocionais e do comportamento graves, dificuldades de aprendizagem específicas, problemas de comunicação, traumatismo craniano, multideficiência e outros problemas de saúde.
ii) As condições específicas são identificadas através de uma avaliação compreensiva, feita por uma equipa interdisciplinar.
Por serviços de educação especial entende-se:
O conjunto de recursos que prestam serviços de apoio especializados, do foro académico, terapêutico, psicológico, social e clínico, destinados a responder às necessidades especiais do aluno com base nas suas características e com o fim de maximizar o seu potencial. Tais serviços devem efetuar-se, sempre que possível, na classe regular e devem ter por fim a prevenção, redução ou supressão da problemática do aluno, seja ela do foro mental, físico ou emocional e/ou a modificação dos ambientes de aprendizagem para que ele possa receber uma educação apropriada às suas capacidades e necessidades(Correia, 1997).
Para este autor, o conceito de NEE abrange, portanto, crianças e adolescentes com aprendizagens atípicas, isto é, que não acompanham o currículo normal, sendo necessário proceder a adequações/adaptações curriculares, mais ou menos generalizadas, e recorrer tantas vezes aos serviços e apoios de educação especial, de acordo com o quadro em que se insere a problemática da criança ou do adolescente.
A noção de NEE, ao aludir a condições específicas, está a referir-se a um conjunto de problemáticas que interessa perceber. Desta forma, é necessário considerarem-se conceitos que permitam o enquadramento das diversas problemáticas no espectro das NEE. Contudo, chamamos a atenção para o facto de que qualquer tipo de classificação deve ser interpretada em termos educacionais, nunca clínicos, devendo servir apenas o propósito de permitir elaborar um programa de intervenção apropriado ao nível e tipo de problema da criança e/ou adolescente.
A este respeito, o Departamento Federal de Saúde, Educação e Bem-Estar dos EUA (1984) é perentório ao afirmar que:
A classificação das crianças excepcionais é fundamental para se conseguir os serviços de que necessitam, planificar e organizar programas de apoio e determinar os resultados das intervenções. Existe a ideia, frequentemente manifestada, de que se deve prescindir totalmente da classificação das crianças excepcionais. Trata-se de uma aspiração errada. A classificação e a rotulagem são fundamentais para a comunicação humana e resolução de problemas. Não queremos fomentar a crença de que se abandonarmos a classificação se acabam todos os males. O que defendemos é que as categorias sejam precisas e os sistemas sejam o mais exactos possível com respeito à descrição das crianças, a fim de que possamos planificar e elaborar os programas mais adequados.
Até aqui falámos das crianças e adolescentes em risco e com NEE cujos problemas andam associados a dificuldades e/ou discapacidades de vária ordem que podem vir a interferir com a sua realização escolar. Contudo, ainda não fizemos referência a um outro grupo de crianças e adolescentes que diferem dos seus companheiros por possuírem uma inteligência e um conjunto de capacidades de aprendizagem muito acima da média. Estas crianças e adolescentes denominam-se de sobredotados e são aqueles identificados por pessoas qualificadas profissionalmente que, devido a um conjunto de aptidões excepcionais, são capazes de atingir um alto rendimento escolar. Essas crianças e adolescentes requerem programas e/ou serviços educativos específicos, dentro da designada “Educação para a sobredotação”, diferentes daqueles que os programas escolares normais proporcionam, para que lhes seja possível maximizar o seu potencial no sentido de virem a prestar uma contribuição significativa, quer em relação a si mesmos, quer em relação à sociedade em que se inserem.
Os alunos sobredotados são, assim, aqueles que possuem uma capacidade intelectual significativamente acima da média, níveis superiores de criatividade e um nível elevado de motivação que leva a  um desempenho excepcional de tarefas, conduzido por uma persistência continuada (Renzulli, 1977).

Modelo de Atendimento à Diversidade (MAD)
Depois de nos termos debruçado, embora sucintamente, sobre o conceito de necessidades especiais, voltamos ao nosso paradigma. Correia (1992), para o formular, começou por considerar três parâmetros fundamentais, designados por discursos: legislativo, psicopedagógico e social. Foi a conjugação destes três discursos que deu lugar a um novo discurso que Correia intitulou de discurso educacional. Este discurso prefigurou um modelo designado de Modelo de Atendimento à Diversidade (MAD) (Correia, 1997), cujo objectivo é o de tentar dar resposta às necessidades de todos os alunos, embora com particular incidência nos alunos com NE, ou seja, o MAD prefigura um processo que inclui a provisão de um ensino eficaz para os alunos que estejam a experimentar problemas nas suas aprendizagens logo no início do seu percurso escolar (figura 1). Assim sendo, ele apoia-se num conjunto de intervenções, consideradas de uma forma sistematizada (multinível), que permitem, com base na determinação de uma linha de base , verificar o progresso desse aluno e, se esse for o caso, monitorizá-lo a partir dos serviços de uma equipa interdisciplinar. O MAD tem, assim, como um dos princípios fundamentais a diferenciação pedagógica em que o ensino e, consequentemente, o currículo devem ser adequadamente diferenciados para acomodar as necessidades específicas de todos os alunos, designadamente, como atrás afirmámos, dos alunos com NE. Assim sendo, as componentes que materializam o MAD, descritas a seguir, formalizam o que acabámos de referir, uma vez que se preocupam com o que deve ser ensinado (identificação e planificação), como deve ser ensinado(implementação das intervenções) e como deve ser avaliado o progresso do aluno (verificação).
Contudo, para que estas premissas tomem forma, é fulcral que se respeite o princípio da colaboração. O mesmo é dizer que as planificações e intervenções se devem apoiar, muitas das vezes, no trabalho de uma equipa e não só no do professor de turma. Esta equipa, designada de Equipa de Apoio ao Aluno (EAA) ou Equipa Interdisciplinar (EI), consoante os casos (Correia, 2008), terá vários objectivos, de entre os quais destacamos: (1) A consultoria aos professores, tendo por base as suas preocupações quanto aos problemas de aprendizagem e socioemocionais que um aluno possa apresentar; (2) A identificação de capacidades, necessidades e interesses de um aluno; (3) A observação e apreciação do processo do aluno; (4) A proposta/delineação de intervenções adequadas às capacidadses e necessidades de um aluno; (5) A verificação do sucesso das intervenções; (6) A monitorização do progresso do aluno; e (7) A comunicação entre a escola, a família e a comunidade.
Finalmente, e tendo presente os serviços  que o MAD preconiza, providienciando a recolha de informação crucial para a elaboração, implementação e monitorização das intervenções, quer elas sejam preventivas ou reeducativas, e encurtando o tempo quanto à provisão de serviços de vária ordem, poderemos afirmar que estaremos perante um modelo que permite aumentar o índice de sucesso dos alunos com NE, reduzindo, simultaneamente, o número de referênciações para os serviços de educação especial. Ora vejamos.
Modelo de atendimento à diversidade
Figura 1 – Modelo de atendimento à diversidade.
O MAD tem por base quatro componentes essenciais, todas elas interligadas. Uma, que diz respeito àidentificação, conhecimento do aluno e dos seus ambientes de aprendizagem; outra, que se refere a umaplanificação apropriada, com base nesse conhecimento; uma outra, que se relaciona com uma intervençãoadequada que se apoie nas características e necessidades do aluno e dos ambientes onde ele interage (identificação) e numa listagem coerente de objetivos curriculares (planificação) e, ainda uma outra, que diz respeito à verificação, ou seja, a um conjunto de decisões relativas à adequação da programação delineada para o aluno tendo por base a intervenção.
A primeira etapa, que Correia denominou de identificação, relaciona-se com o conhecimento do aluno, dos seus estilos de aprendizagem, dos seus interesses, das suas capacidades e das suas necessidades com o fim de se determinarem os seus níveis atuais de realização académica e social (competências adquiridas). Esta etapa diz, ainda, respeito à análise dos ambientes de aprendizagem (tomando-se por aprendizagem a mudança de comportamentos que se opera num indivíduo, dentro ou fora da escola) do aluno (académicos, socioemocionais, comportamentais e físicos). A esta etapa segue-se-lhe uma segunda, designada de planificação, que é uma etapa de preparação para a intervenção onde se analisa a informação recolhida sobre o aluno e sobre os seus ambientes de aprendizagem. A terceira etapa do MAD diz respeito à intervenção. Esta etapa congrega, quanto a Correia, três fases essenciais: uma, de carácter preliminar; outra, de carácter compreensivo; e ainda uma outra, de caráctertransicional.
Componente preliminar
No que concerne à componente preliminar da intervenção, ela considera dois procedimentos: Um primeiro, da responsabilidade do professor de turma, designado por intervenção inicial e, um segundo, designado porintervenção intermédia, que para além do professor de turma pode envolver outros profissionais de educação (i.e., professor de educação especial, psicólogo educacional). A intervenção inicial baseia-se na identificação de alunos que estejam a experimentar problemas de aprendizagem no início do ano escolar e na complementaridade do ensino a nível individual ou de pequeno grupo, ou seja, na implementação de estratégias de ensino ou modificações que tenham por base as necessidades do aluno, monitorizando, paralelamente, o seu progresso. Após esta primeira intervenção, caso o professor chegue à conclusão de que o aluno continua a não ter sucesso, então deve passar à fase seguinte, denominada, como vimos, por intervenção intermédia. A intervenção intermédia apoia-se no uso de estratégias comprovadas pela investigação (i.e., Ensino Direto), tendo como objetivo primeiro minimizar ou até suprimir os problemas de aprendizagem que o aluno está a experimentar, tentando, assim, evitar o seu encaminhamento para os serviços de educação especial. Aqui o trabalho em colaboração deve congregar os esforços dos educadores ou professores de turma e de educação especial e de quaisquer outros técnicos que se julguem necessários, a título consultivo. A equipa de consultoria que vier a ser formada, designada atrás de Equipa de Apoio ao Aluno(EAA), deve ainda verificar se haverá outros fatores de risco (intraindividuais, como por exemplo, fatores ligados à linguagem, ou interindividuais, factores ligados aos ambientes de aprendizagem, sejam eles os da escola, sejam os externos à escola como, por exemplo, a mal nutrição ou fatores culturais) que estejam a impedir o sucesso do aluno. Através da monitorização do ensino (verificar se as estratégias são as ajustadas às capacidades e necessidades) a EAA vai tendo sempre a noção do progresso que o aluno está a experimentar. Se a EAA verificar que o aluno continua a não responder adequadamente ao ensino que lhe está a ser ministrado, então deve propor a sua passagem à componente seguinte, não sem que antes tenha tido a oportunidade de contactar os pais.
Componente compreensiva
Esta componente, designada por intervenção compreensiva, apoia-se numa avaliação, mais exaustiva e mais completa que a da intervenção intermédia, que pretende traçar o perfil do aluno com base no seu funcionamento global, nas suas características, capacidades e necessidades e na qualidade dos ambientes onde ele interage (intervenção remediativa), pressupondo a elaboração de programações educativas individualizadas (PEI), efetuadas por equipas interdisciplinares (EI), que tenham por base a diferenciação pedagógica (intervenção). Estas equipas devem começar por rever toda a informação referente ao aluno e aos seus ambientes de aprendizagem, contida quer no relatório inicialquer no relatório intermédio, bem como proceder a avaliações mais formais que digam respeito, por exemplo, à cognição, ao comportamento adaptativo, à linguagem e ao aproveitamento do aluno. Desta forma, a equipa interdisciplinar estará a usar toda a informação disponível, e aquela por ela recolhida, no sentido de se poder determinar a elegibilidade do aluno para os serviços de educação especial e, se esse for o caso, de se poder elaborar um PEI que, como já aqui foi dito, para além de objetivos de ordem académica e socioemocional, deve também considerar factores como o estatuto socioeconómico, as condições de habitabilidade e as interações intrafamiliares, mais respeitantes aos seus ambientes envolventes (Correia, 2008).
Componente transicional
Esta componente, denominada por transicional, continua muito arredada das nossas escolas, prendendo-se com a preparação dos alunos para o mundo do trabalho e com a sua inserção na sociedade. Ela diz respeito à intervenção transicional, referindo-se a programas que são dirigidos a alunos que não estejam a atingir os objetivos do currículo comum e que, devido à sua idade (14 ou mais anos) e aos seus problemas de aprendizagem, geralmente acentuados, necessitam de um conjunto de medidas que possam facilitar a sua inserção na sociedade e no mundo laboral. Neste caso, os programas, habitualmente chamados de programas de transição individualizados(PTI), não só fazem apelo a adaptações curriculares significativas e generalizadas e ao ensino e aprendizagem em cooperação, como também pedem o envolvimento do aluno em atividades comunitárias, devendo-lhe ser facultada uma atenção muito especial em termos individuais (Correia, 1999; Hallahan & Kauffman, 1997; Sittlington et. al, 1996; West et. al, 1999). Assim, todos os anos, a equipa interdisciplinar deve programar experiências que auxiliem o aluno na transição da escola para as próximas etapas da sua vida. Estas experiências devem ajudar o aluno a perceber as suas áreas fortes e as suas necessidades, bem como proporcionar-lhe os apoios de que necessita para que possa vir a experimentar sucesso.
Torna-se assim visível a necessidade de se estabelecerem programas educativos que assentem na observação cuidada e correta das potencialidades e limitações do aluno, tendo portanto em conta as suas preferências, interesses, capacidades e necessidades, no conhecimento que se pretende profundo da família – das interações entre os seus membros, das normas e valores por que se regem – e no conhecimento dos recursos da comunidade envolvente.
Assim sendo, a intervenção transicional deve ser tida como um processo contínuo, cujo enfoque deve ser dado ao papel do aluno não só como estudante, mas também como futuro trabalhador, membro de família e cidadão preparado para desempenhar com sucesso, na comunidade onde se vier a inserir, as tarefas do dia-a-dia. Deste modo, para além de o processo de avaliação e intervenção se centrar no aluno, nas suas capacidades, interesses e necessidades, como vimos atrás, ele deve também responsabilizar os ambientes – educacional, familiar e comunitário (de vida e de trabalho) –, adaptando-os às características do aluno (Smith, et. al., 2001) e ajudando-o a propor um conjunto de objetivos que se prendam com as suas intenções de trabalho após a sua saída da escola (Correia, 1999).
Verificação
Finalmente, o MAD compreende ainda uma outra componente, denominada por verificação, cujo objetivo é o de se indagar se a programação educacional considerada foi a mais apropriada para responder às necessidades educativas especiais do aluno ou, se o não foi, conceber um outro tipo de respostas educativas mais adequadas a essas mesmas necessidades. Deste modo, aquando da implementação do MAD, haverá que considerar pelo menos três momentos de monitorização do progresso do aluno tendo por base a análise da informação recolhida. Num primeiro momento, a análise da informação tem a ver com o progresso do aluno que adveio da observação do professor de turma e das estratégias que usou para tentar minimizar os seus problemas de aprendizagem. Segue-se-lhe um segundo momento em que a intervenção, já mais elaborada, é complementada pelos serviços de técnicos especializados, numa perspetiva de consultoria, sendo a sua duração determinada pela EAA com base na informação que vai recolhendo. Num terceiro momento, a informação recolhida até à data dá lugar a uma observação/avaliação mais compreensiva, feita por uma EI, consubstanciada na elaboração de um PEI. Aqui, o progresso do aluno é monitorizado durante um período predeterminado, geralmente um ano lectivo, tendo em conta os objectivos propostos no PEI e a implementação cabal das intervenções consideradas para as áreas tidas como problemáticas
Princípio da confidencialidade
Todo o processo descrito acima, corporalizado no MAD, deve obedecer a um princípio fundamental, o daconfidencialidade, ou seja, toda a informação recolhida, acerca de uma criança com possíveis NEE, através do conjunto de avaliações propostas no MAD, deve começar a fazer parte dos registos da escola aos quais só devem ter acesso as pessoas diretamente envolvidas nesse processo, os pais do aluno e o próprio aluno, se maior de 18 anos. Assim sendo, torna-se necessário que o órgão da tutela estabeleça um conjunto de regras que possam elucidar as escolas sobre qual deve ser o seu papel no que respeita à implementação do princípio da confidencialidade. De entre os pontos a considerar, salientamos o que concerne ao acesso à informação (quem a ela deve aceder), a garantia, perante os pais, da privacidade dessa informação e o direito que os pais têm de questionar essa informação caso duvidem do seu rigor ou da sua adequação às necessidades do seu filho.
Deste modo, o portefólio que contém as avaliações respeitantes ao quadro social, de saúde, psicológico e educacional do aluno, deve ser estritamente confidencial, uma vez que ele encerra todos os relatórios e comentários escritos efetuados por vários profissionais quer no que respeita à criança quer aos ambientes onde ela se move. Também, a troca de informação verbal sobre o processo de avaliação do aluno deve ser feita apenas entre os elementos que fizeram parte desse processo.
Quanto ao papel e aos direitos dos pais, para além de ser necessária a sua anuência para que se possa efetuar uma avaliação à criança, é também importante que se elabore um relatório no final do processo de avaliação que os elucide sobre o que foi feito (que técnicas e instrumentos de avaliação foram usados) e qual o caminho a seguir em termos educacionais (académicos e socioemocionais), geralmente materializado na elaboração de um PEI.
O MAD e o modelo de Resposta-à-Intervenção
O MAD, como modelo de intervenção faseado, embora seja um modelo que se pode aplicar a todos os alunos, está particularmente voltado para a intervenção com alunos com NE, dentro de uma filosofia educacional e ecológica, dado que procura encontrar soluções apoiadas nas boas práticas educativas, antes de o encaminhar, se esse for o caso, para os serviços de educação especial.
Apesar de Correia ter pensado este modelo há mais de 20 anos, ele pode, até certo ponto, comparar-se ao método designado por Resposta-à-intervenção[2] (Fuchs, Mock, Morgan, & Young, 2003; Gresham, 2002; NRCLD, 2004; Vaughn, 2003) destinado a identificar alunos com NEE, particularmente alunos com dificuldades de aprendizagem específicas (DAE), uma vez que usa três níveis de intervenção, sendo crescente a intensidade do ensino em cada um dos níveis.
O MAD chama também a atenção para a importância de se intervir precocemente, quando o aluno começa a experimentar problemas nas suas aprendizagens, certificando-se de que ele venha a receber apoios adequados baseados no uso de estratégias apoiadas pela investigação (Correia, 2003, Gresham, 2002; Heward, 2006). Permite, ainda, que o aluno tenha acesso a intervenções especializadas numa fase mais precoce do seu percurso escolar, mesmo antes de ele ser encaminhado para os serviços de educação especial, pressuposto que considera fundamental.
Referências bibliográficas
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[1] Professor Catedrático Emérito, Universidade do Minho. Atualmente, Presidente do Instituto Português de Dislexia e Outras Necessidades Especiais (IPODINE), Braga, Portugal. Email: luisdemirandac@ipodine.pt
[2] Do inglês, Response-to-intervention ou Responsiveness-to-intervention.

Relatório sobre reestruturação da educação especial

Tendo em conta a análise do relatório elaborado por um grupo de trabalho nomeado pelo governo, em janeiro de 2014, para “desenvolver um estudo com vista à revisão do quadro normativo regulador da educação especial”, divulgada em vários jornais nacionais, transcrevemos abaixo, aleatoriamente, excertos da análise de um deles (Jornal Público – 11/06/2014).

PONTO

 Há crianças a ser encaminhadas para a educação especial que deviam ter outras respostas
Grupo de trabalho diz que são precisas outras respostas para quem tem dificuldades de aprendizagem. Educação especial deve ser só para quem tem necessidades permanentes. Governo vai estudar propostas e afirma que não pretende diminuir investimento no sector.
O subsídio de educação especial deverá ser revisto e a legislação sobre educação especial sofrer alterações para que se clarifique que crianças podem ser enquadradas no conceito de “aluno com necessidades educativas especiais” (NEE). Ao Serviço Nacional de Saúde deverá passar a caber sempre a avaliação dos casos, diz o grupo de trabalho nomeado em Janeiro pelo Governo para estudar o assunto.
(…)
“Em 2007 foi feito um estudo de prevalência de NEE entre os jovens e chegou-se a um rácio de 1,8%. O que corresponderia a pouco mais de 30 mil alunos. Ou o rácio não está bem feito, ou então temos alunos [mais 30 mil]que estão para além desse rácio”, disse Pedro Cunha, da Direcção-Geral da Educação, coordenador do grupo de trabalho.
O grupo defende um novo conjunto de respostas para os meninos com dificuldades de aprendizagem (como a dislexia, por exemplo) — como a criação “de equipas multidisciplinares de apoio à aprendizagem” que tenham como missão combater o insucesso escolar. Isto para que essas crianças não venham, por falta de intervenção, a tornar-se alunos com NEE.
(…)
Ficou prometido que “não se pretende diminuir o investimento”. O que acontece, contudo, notou Grancho, é que “o conceito de necessidades educativas especiais passou a ser uma grande categoria” e é preciso clarificá-la.
(…)
A primeira recomendação do grupo, que tinha elementos da Segurança Social e da Educação, e, como missão, “desenvolver um estudo com vista à revisão do quadro normativo regulador da educação especial”, é, então, “manter o âmbito da intervenção dos serviços de educação especial” tal como previsto na lei, “direccionando os apoios especializados para as crianças com alterações de carácter permanente nas estruturas e funções do corpo”, criando respostas “para os alunos com dificuldades na aprendizagem”.

CONTRAPONTO

As declarações recentes de altos responsáveis do ministério da Educação, proferidas no Palácio das Laranjeiras, em Lisboa, acerca da condução que presumivelmente irá ser dada à educação de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) deixaram-me perplexo, por demonstrarem uma impreparação evidente que irá mergulhar, ainda mais, esses alunos num prolongado insucesso escolar que levará muitos deles ao abandono escolar, com todas as consequências gravosas que daí advêm.
João Grancho, ex-secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, afirma, por exemplo, que “É necessário especificar e clarificar que públicos é que são alvo da educação especial”, como que a deixar perceber que ao serem “alvo da educação especial”, passarão a fazer parte de um “ensino” especial com cheiro a “segregação”. Ora, já há mais de 25 anos que ao termo “educação especial” não lhe é dado este sentido, embora a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei 46/86, de 14 de outubro) teimosamente continue a considerá-lo por falta de revisão. Hoje em dia, fruto dos princípios que regem o movimento da inclusão, o termo “educação especial” refere-se a um conjunto derecursos especializados que a escola, a família e a comunidade devem ter ao seu dispor para poderem responder com eficácia às necessidades dos alunos com NEE. Depreende-se, assim, que o conceito de educação especial está longe de ser um “ensino” paralelo ao ensino regular. É, sim, um conjunto de serviços especializados a que todos os alunos com NEE têm direito sempre que deles necessitem.
Pedro Cunha, técnico da Direcção-Geral da Educação, coordenador do grupo de trabalho nomeado em Janeiro pelo Governo para “desenvolver um estudo com vista à revisão do quadro normativo regulador da educação especial”, também faz declarações em que parece evidente a mesma noção de educação especial, evidenciadas num fragmento do seu discurso, em que se refere à “integração de alunos na educação especial”. Que quererá ele dizer com isto? Mas, vai mais longe, ao afirmar, como recomendação do grupo de trabalho, que, tal como previsto na lei, “os apoios especializados devem ser direcionados para as crianças com alterações de carácter permanente nas estruturas e funções do corpo” (continua a teimosia da obrigatoriedade do uso da CIF), criando outro tipo de respostas “para os alunos com dificuldades na aprendizagem”. Ora, o que Pedro Cunha já devia saber é que as dificuldades de aprendizagem advêm de diferenças nas estruturas e funções do cérebro, afetando a capacidade de um aluno para processar informação (para a receber, a armazenar, a rechamar e a comunicar). Devia ainda saber que elas são vitalícias, portanto reais e permanentes.
Também, segundo um outro órgão de comunicação social (julgo que açoriano), Pedro Cunha referiu a dislexia e odéfice de atenção como exemplos de dificuldades de aprendizagem. Mais uma vez devia perceber que os tipos mais comuns de dificuldades de aprendizagem (dislexia, discalculia, disgrafia), resultam essencialmente em problemas graves nas áreas da leitura, da matemática e da expressão escrita, embora possam ocorrer em concomitância com outro tipo de desordens (do processamento auditivo, do processamento visual, das funções executivas e, também, do défice de atenção/hiperatividade), mas não são dificuldades de aprendizagem. Pelo contrário, no caso do défice de atenção/hiperatividade as suas características podem ser atribuídas a desequilíbrios neuroquímicos que devem ser tratados tendo por base uma combinação de terapias comportamentais e medicação, quando necessária.
Ainda, mais uma gigantesca argolada do grupo de trabalho, acredito que resumindo os depoimentos das mais de 50 entidades que o grupo ouviu, tem a ver com a infeliz afirmação de que “deverá passar a caber sempre ao Serviço Nacional de Saúde a avaliação dos casos”. É mesmo de quem não faz a mínima ideia de como identificar, avaliar e intervir com alunos com NEE. Lamentável. Ou será que pretendem recuperar os centros de saúde que andam por aí a fechar, transformando-os em escolas-hospitais?
Quanto às afirmações dos três secretários de Estado presentes na apresentação da síntese do relatório, no que respeita ao financiamento, de que “não houve desinvestimento no sector, ao contrário do que por vezes se diz”, acredito que até seja verdade. Mas, dar o exemplo do aumento dos beneficiários de subsídio de educação especial (13.959, em 2013, contra 11.619, em 2011), afirmando que “este subsídio serve para ajudar os pais a pagar apoios especializados que as escolas não garantem” é reconhecer a própria ineficácia do sistema. É na escola e não fora dela que os alunos com NEE devem receber uma educação apropriada às suas capacidades e necessidades.O Relatório da União Europeia sobre Educação e Formação (2012) assim o atesta, ao dizer que “não obstante os compromissos assumidos pelos Estados-Membros para promoverem uma educação inclusiva, os sistemas de ensino ainda não oferecem um tratamento adequado às crianças com necessidades educativas especiais”.
No caso do nosso País, eu iria mais longe, afirmando que esta falta de tudo, em termos políticos, sociais, científicos e pedagógicos que, infelizmente tem vindo a aparecer, em grandes parangonas em quase todos os jornais, demonstra um desconhecimento atroz, uma insensibilidade sem precedentes e um desrespeito ímpar pelos direitos das crianças e adolescentes com NEE e das suas famílias por parte de quem deveria defendê-los.
LMC